28/02/08

sento-me no primeiro lugar que encontro vago na carruagem. Respiro fundo, olho para o relógio, não tarda muito estamos de partida. Tenho o estômago a dar horas há muitas horas. Hoje vai ser devaneio culinário, penso. “Isabel, não. Não, nunca, Isabel”. O vizinho do lado interrompe-me precisamente quando me preparava para visualizar o interior do frigorífico. Fala com a Isabel. “Isabel, por favor, ouve-me, Isabel. Não, não, Isabel, não é isso.” Não, por favor, não, penso eu, isto não vai durar a meia hora que tenho pela frente. “Isabel, deixa-me falar”. Silêncio. A Isabel não deixa o senhor falar. “Isabel”, diz ele em tom desesperado, “não desligues”. Baixa o telemóvel, olha para o visor e prime uma tecla. “Isabel… Isabel…”. Vamos recomeçar outra vez e, azar, acabaram-se-me as pilhas do mp3. “Oh Isabel, mas tu deixas-me falar?” Silêncio. “Mas, mas oh Isabel… Não, não…” Quase me encolho… e ela desligou. Não, ele não vai atrever-se, penso. Na minha cabeça, uma pequena multidão de neurónios desata a fazer apostas. “50 euros em como o tipo vai ligar outra vez!”, avança um, “70 em como não liga”, arrisca outro, “100 euros em como liga”, ouve-se lá ao fundo. É um neurónio mais baixinho e esforça-se por ser visto. Espreito para o lado pelo canto do olho. O sujeito olha para o visor. Faço sinal ao neurónio baixinho, já ganhaste, e ele esfrega as mãos de contente. O tipo prime a tecla, leva o telemóvel à orelha esquerda. “Isabel…”. Porra, inacreditável, penso. E ele continua: “Isabel, por favor, não. Não foi isso, Isabel… Isabel, não.” Apetece-me tapar os ouvidos. Melhor: apetece-me tirar o telemóvel da mão do gajo e dizer “Isabel, p-l-e-a-s-e, tu deixa o homem falar, Isabel.”

3 comentários:

Rei da Lã disse...

Isso não é um homem, mas um nabo!

aespumadosdias disse...

Gostei de passar por aqui...

Violeto disse...

Diria antes, um homem desesperado.